ARGENTINA FLEXIBILIZA CONTROLES CAMBIAIS E FECHA ACORDO COM FMI, MAS PESO DESPENCA
Primeiro dia de "câmbio flutuante" derruba moeda argentina em 11,38%, enquanto mercado de ações e títulos públicos registram forte alta após anúncio de acordo de US$ 20 bilhões com o Fundo Monetário Internacional.
Por Kaká Amaral
Publicado em 15/04/2025 08:20
Mundo

Uma nova era econômica se iniciou na Argentina nesta segunda-feira (14), marcada pela forte desvalorização do peso e um surpreendente salto nos mercados de ações e títulos do Tesouro. O pregão agitado refletiu o primeiro dia de implementação da flexibilização dos controles cambiais, conhecido como “cepo”, e a confirmação de um robusto acordo financeiro com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

A decisão do banco central argentino, anunciada na última sexta-feira (11), pôs fim à paridade fixa da moeda local, introduzindo um regime de "câmbio flutuante" onde o valor do peso passa a ser determinado pelas dinâmicas de oferta e demanda do mercado. Paralelamente, o ministro da Economia, Luis Caputo, anunciou um acordo de US$ 20 bilhões com o FMI, recursos que, segundo ele, serão cruciais para a "recapitalização do BC, visando uma moeda mais saudável e a continuidade do processo de desinflação".

No primeiro dia útil após os anúncios, o peso argentino sofreu uma expressiva desvalorização de 11,38% em relação ao dólar. No entanto, o índice S&P Merval, que acompanha o desempenho das ações mais líquidas do país, contrariou a tendência e registrou uma alta significativa de 4,70%.

O Que Agitou os Mercados Argentinos?

A dicotomia entre a queda do peso e a valorização do mercado de ações e títulos públicos espelha a complexidade das novas políticas cambiais implementadas pelo governo do presidente Javier Milei. Para André Galhardo, economista-chefe da consultoria Análise Econômica, a suspensão de medidas como o “cepo” tende a criar um ambiente mais favorável para o mercado, especialmente a médio e longo prazo. "Da mesma forma que o mercado entende que é melhor diminuir os gastos do governo e reduzir a presença do Estado na economia, isso vale também para controles cambiais", avalia.

Enquanto o peso se desvalorizava, fechando o dia a 1.196,31 pesos por dólar (um aumento de 11,38% em relação à sexta-feira), as principais empresas argentinas listadas em bolsas americanas experimentaram fortes altas, como YPF Sociedad Anonima (10,26%), Grupo Financiero Galicia SA ADR (14,05%), Grupo Supervielle SA (18,07%), Banco Macro SA B ADR (15,41%) e BBVA Argentina (14,78%). Apenas a Despegar.com (Decolar) registrou uma leve queda de 0,05%.

Segundo Galhardo, a depreciação do peso é uma consequência natural da maior demanda por dólares após a flexibilização das restrições. "Certamente, a retirada de parte das restrições atendeu a uma demanda reprimida pela moeda norte-americana, resultando em um desequilíbrio momentâneo entre oferta e demanda, encarecendo o dólar."

A Nova Política Cambial Argentina

A nova política cambial argentina marca o fim do “cepo”, implementado em 2019 para controlar a compra e venda de dólares em meio a problemas nas contas públicas e alta inflação. O regime anterior estabelecia um câmbio fixo, enquanto a nova diretriz permitirá que o peso flutue livremente dentro de uma banda entre 1.000 e 1.400 pesos por dólar, com uma expansão mensal de 1% nos limites superior e inferior. O Banco Central poderá intervir comprando e vendendo dólares caso essa faixa seja rompida.

O FMI detalhou que o objetivo final é uma evolução para uma "taxa de câmbio totalmente flexível no contexto de um sistema bimonetário", onde peso e dólar coexistam. Outra medida importante é o fim do "grampo de dólar", que restringia o acesso à moeda estrangeira, permitindo agora que empresas enviem lucros para fora do país, o que pode atrair mais investimentos multinacionais.

Por Que Milei Implementou a Mudança?

O ministro da Economia, Luis Caputo, argumenta que a antiga política cambial "limitava o funcionamento normal da economia". A expectativa do governo é que as novas medidas, somadas aos recursos do FMI, fortaleçam a moeda, reduzam a inflação e possibilitem futuros cortes de impostos.

O Potencial Impacto na Argentina

Adriana Dupita, economista da Bloomberg Economics, avalia que a mudança no controle cambial pode impulsionar as exportações e beneficiar a balança comercial, já que a taxa de câmbio anterior desestimulava as vendas externas e incentivava as importações. Além disso, a flexibilização pode atrair investidores estrangeiros, que antes hesitavam devido às restrições para retirar seus capitais. "Assim, a mudança do regime cambial ajuda tanto a evitar uma sangria de dólares pelo lado da balança comercial como cria a possibilidade de haver entrada de dólares pela via financeira", explica Dupita.

O Acordo com o FMI

O acordo de US$ 20 bilhões com o FMI, com prazo de 48 meses, prevê um desembolso de US$ 12 bilhões nesta semana, seguido de revisões trimestrais que podem liberar mais recursos. O objetivo principal é fortalecer as reservas internacionais líquidas da Argentina, com uma meta de US$ 4 bilhões até o final de 2025 e US$ 8 bilhões no ano seguinte. O acordo também estabelece metas fiscais rigorosas, visando um superávit primário de 1,3% do PIB em 2025 e um equilíbrio fiscal geral.

O FMI acredita que, com uma "implementação decisiva" do programa e um rápido acúmulo de reservas, a Argentina poderá reduzir seus custos de empréstimos e retornar aos mercados de capitais internacionais já no início de 2026. Apesar dos desafios persistentes, como a inflação ainda elevada e as reservas internacionais negativas, a mudança na política cambial e o apoio do FMI representam um passo importante para a reestruturação econômica da Argentina. Dupita conclui que essas medidas "são muito bem-vindas" e podem pavimentar o caminho para o retorno do país ao mercado financeiro global.

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